Sigo pelos caminhos, transfiguro-me Sei que um igual destino eu já cumpri E ao mesmo tempo em tudo me descubro Casta e incorpórea. Sou tantas, Tantos vivem em mim e pródiga descerro-me Pródiga me faço larva e asa. Hilda Hilst em Memória In: Trajetória Poética do Ser (I), (1963-1966)
Olá, leitor. Hoje trago, aqui, uma frase que surgiu em mim há pouco: nem sempre é tempo de criar.
Ultimamente, tenho me sentido tão culpada por não estar fazendo certas coisas, agindo de tal maneira, seguindo certo caminho... e quem nunca se sentiu assim? Com esse mundo do jeito que está, simultâneo e fugaz, constantemente nos sentimos pressionados a agir, a não perder tempo. Nos comparamos com pessoas que admiramos – às vezes, até mesmo com nossas versões passadas ou futuras – e sentimos que algo está errado, que estamos atrasados. Que não há tempo o suficiente, ou que o tempo que tivemos perdeu-se, dissipou, acabou. Mas será que estamos realmente seguindo o nosso próprio tempo ou tentando nos basear em um cronograma que não foi feito para nós?
Porque, por mais que essa metáfora seja clichê, devemos respeitar o nosso tempo como larva. Devemos ser pacientes com o nosso tempo dentro do casulo. E, quando ele chegar, devemos nos sentir merecedores e felizes no nosso tempo como asa, quando podemos voar. A beleza está em cada metamorfose, em cada evento, porque somos únicos. E diversos desses eventos nos ocorrem ao longo da vida, ao longo da nossa existência. Tantas vezes morremos e renascemos em nós mesmos. Como diz Hilda Hilst, "Sigo pelos caminhos, transfiguro-me/ Sei que um igual destino eu já cumpri/ E ao mesmo tempo em tudo me descubro/ Casta e incorpórea. Sou tantas,/ Tantos vivem em mim e pródiga descerro-me/ Pródiga me faço larva e asa.", pois somos construídos por tantas versões de nós mesmos, em tanto nos transformamos e nos desfazemos e nos refazemos... e desse excesso de mudanças, desse movimento eterno, de pausa e de continuidade, devemos aprender a diferenciar e aproveitar ambos os cíclicos momentos de ser larva e de ser asa.
O nosso tempo como asa acaba sendo o mais valorizado, porque é quando podemos ver, na prática, nossa capacidade de ir longe. Porém, durante nosso tempo como larva, mais do que os nossos quandos, priorizamos os nossos porquês. Passamos a valorizar o tempo e o espaço para o pensar, para o sentir, para a introspecção; e esse é o caminho ideal para aqueles que desejam fazer escolhas que sejam condizentes com quem se é, com quem se quer ser; para aqueles que desejam viver uma vida cheia de sentido e significado. Não uma vida feliz, porque a felicidade genuína está naquilo que é momentâneo. A felicidade como um estado sólido e contínuo, estável, não é real. Ela não é um objetivo a que se deve almejar, ela é tudo o que há de mais simples no cotidiano e nas nossas entrelinhas particulares. Ela vem em picos, em momentos efêmeros e tão bonitos… E é por isso que dificilmente a conseguimos identificar. Mas é aqui que ela está, bem debaixo dos nossos narizes. Até mesmo – eu me arriscaria a dizer principalmente – nos momentos de ser larva.
Por isso, nem sempre é tempo de criar. Há o tempo de elaborar, de pensar, de refletir. Há, ainda, o tempo de esvaziar a mente, de deixar o papel em branco, de não ler tantos e tantos livros um na frente do outro, de dar uma pausa nos estudos; que é o tempo de processar & reorganizar. Há o tempo de deitar-se e dormir, de simplesmente descansar – descansar de quem somos para que possamos, no futuro, vir-a-ser quem queremos. Nem sempre é tempo de criar, mas sempre estamos, mesmo quando adormecidos como uma semente, no processo de crescimento. Sem as pausas de silêncio, não há música. Sem os espaços em branco, não há texto. Sem o corpo da larva, não há borboleta.
Espero que você, leitor, tenha encontrado, com essa leitura, uma motivação para respeitar & olhar com mais carinho para o seu tempo-larva, para que futuramente saiba voar com mais cuidado. E que você tenha se encontrado em alguns desses pedaços.
Até mais!
Intertextualizada
por Mariana Casarin Frata
14 de junho de 2023
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